Advogada coordenadora Marieta Siqueira comenta decisão do STJ que ratifica o e-mail como meio legítimo de notificação extrajudicial para constituição de mora e recebimento de dívida

Em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, a 4ª turma da corte ratificou jurisprudência que entende como legítima a notificação extrajudicial de devedor fiduciário via e-mail. Consolidada em junho do ano passado e reiterada por este mesmo colegiado, a medida representou um avanço nas ações facultadas ao credor para receber a dívida, e que se concentram fora do trâmite processual ordinário. Para o STJ, conforme explicado pelo relator daquela e desta ação, ministro Antonio Carlos Ferreira, não é razoável exigir, a cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as notificações para fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia envolvida.

Poder Judiciário e o ritmo das inovações tecnológicas

No voto que fundou a jurisprudência e reformou a decisão de segunda instância do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), a tônica do argumento do relator se concentrou na necessidade de adequações por parte do Poder Judiciário sem a morosidade do rito que as autorizem. Em outras palavras, é central a necessidade de a justiça caminhar lado a lado com as inovações que facilitem o cumprimento dos acordos, desde que essas atualizações não atentem contra o ordenamento já previsto ou extrapolem a seara dos direitos transacionais. Com a notificação extrajudicial via e-mail, comprovado o recebimento, não há por que impedir o credor de utilizar-se de tal meio se ele é lícito e eficaz, ou seja, serve ao propósito.

Como sustentação para o precedente, a corte relembrou o julgamento do recurso repetitivo (REsp 1.951.662), em que se estabeleceu como requisitos para comprovação de mora o envio de notificação extrajudicial ao devedor, independentemente de quem a tenha recebido. Para que se consolide tal recebimento, portanto, o STJ estabelece dois requisitos: (I) envio para o endereço do contrato e (II) comprovação da entrega efetiva. Verificadas as condições, independentemente do meio e sendo possível “legitimamente demonstrar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento da obrigação legal para o ajuizamento da ação”, são válidas as ferramentas dos nossos tempos que viabilizem o recebimento de valores devidos.

Além disso, o tribunal trouxe à tona a Lei 13.043/2014, que admitiu a constituição de mora via envio de carta registrada com aviso de recebimento. Com essa menção, a corte apontou para o cuidado de se ampliar os meios de notificação do devedor, em franca atenção aos novos meios de comunicação que surgem para facilitar a vida em sociedade como um todo, incluindo o cumprimento contratual – algo que não pode ser ignorado pelo direito, “devendo a lei acompanhar a evolução da sociedade e da tecnologia”.

Precedente aplicado: celeridade na busca pelo direito

Em ação recentemente ajuizada e que contesta a validade da notificação extrajudicial por correio eletrônico, a corte aplicou interpretação analógica e afastou quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de se comunicar a cobrança via e-mail. Nos mesmos autos, a ministra Nancy Andrighi aproveitou seu voto-vista e ofereceu uma revisão do seu posicionamento anterior, que não reconhecia o e-mail como forma adequada para a notificação, baseada no argumento de que a exclusão digital restringia o acesso a esse meio de comunicação. Para a ministra, tal argumento fez sentido naquele contexto, sendo necessária sua revisão devido ao amplo acesso à internet – corroborado por pesquisas e organismos sérios. Nas palavras da ministra, a tecnologia evoluiu “a passos de mercúrio”, empurrando-nos para uma nova realidade e, com ela, novas ferramentas que permitem a preservação dos acordos sociais.

O voto-vista traduz o anseio da corte superiora – e, por extensão, da própria sociedade como um todo –, que enfatizou o atraso que seria se a justiça admitisse como legítimos apenas os meios objetivamente abordados na letra da lei e suas normas derivadas. Com os saltos tecnológicos vividos nos tempos atuais, esperar que novas ferramentas sejam empregadas só quando abarcadas no ordenamento é fazer com que a justiça deliberadamente se desatualize, prejudicando sua capacidade de alcançar a satisfação dos acordos, e, por vezes, anacrônica em seu propósito de fazer valer a própria lei, especialmente em contratos fiduciários, que tem como base a liberdade contratual entre as partes. Pois, se entre elas a transação é lícita e há um descumprimento quanto ao recebimento de valores, não faz sentido privar o credor de notificar o devedor por vias ora amplamente utilizadas, legítimas e eficazes, como o correio eletrônico, meio inclusive utilizado pelo aparato estatal para emissão de comunicados, criação de logins em plataformas da burocracia pública e acesso a portais oficiais.

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